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Governança e Políticas Antecipatórias para a Inovação: Estratégias orientadas por Arquétipos de futuros pós-normais

Atualizado: 26 de abr.

Conforme Tõnurist e Hanson  (2020, p. 13), a formulação de políticas baseada em evidências ou mesmo na experimentação rigorosa partem da premissa de modelos de causalidade, instrumentação e avaliação de resultados lineares, cria uma falsa sensação de certeza em torno dos processos de planejamento, como estratégia para simplificar a complexidade de sistemas não-lineares, difíceis de compreender e medir, fugir do decisionismo arbitrário e dos ventos políticos.


Mesmo sistemas lineares trazem diversos tipos de incerteza que formuladores de políticas antecipatórias para a inovação precisam conhecer e saber lidar, conforme classificação que adaptamos de Tõnurist e Hanson (2020, p. 13):


•      Ignorância Total (Desconhecidos): Situações em que não só não temos respostas, mas nem sequer sabemos quais perguntas fazer. São riscos ou fenômenos totalmente imprevistos, fora do nosso marco cognitivo atual;

•      Ignorância Reconhecida (Consciência da falta de conhecimento): Sabemos que há lacunas no conhecimento, mas não temos dados ou modelos para resolvê-las;

•      Incerteza de Cenário: Sobre consequências e impacto, em que probabilidades de resultados não são conhecidas, ou seja, causas conhecidas e consequências desconhecidas (o que não sei sobre o que sei);

•      Incerteza Tecnológica: Relativa aos esforços no desenvolvimento de tecnologias, materiais, produtos ou serviços inovadores, onde não se sabe se o objetivo será alcançado, quanto tempo levará ou quais recursos serão necessários;

•      Incerteza Científica: Resulta da falta de consenso ou evidências conclusivas em temas complexos ou emergentes, especialmente em áreas multidisciplinares, seja devido a dados insuficientes, contradições entre estudos ou complexidade do objeto;

•      Incerteza Técnica: Relativa a aplicação prática de novas tecnologias e novos materiais, métodos ou sistemas, incluindo sua viabilidade, eficácia, segurança ou custos.

•      Incerteza Qualitativa: A incerteza não pode ser expressa numericamente ou com estatísticas, seja por falta de dados, complexidade do sistema ou natureza subjetiva do problema;

•      Incerteza Estatística: A incerteza na amostragem, na medição, na variabilidade dos dados e de vieses cognitivos na inferência;

•      Certeza: Situações em que o resultado é totalmente previsível, com base em leis ou relações bem estabelecidas.


Além disso, Tõnurist e Hanson  (2020, p. 2, 7, 9) defendem que os governos precisam se adaptar proativamente a altos níveis de incerteza ligados a complexidade e desafios dos ciclos de mudança cada vez mais rápidos na sociedade e de tecnologias emergentes.


Precisam abraçar a incerteza e incorporar novas técnicas de foresight estratégico nos processos decisórios e de formulação de políticas antecipatórias para inovação, superando as limitações de prospecção de cenários, de forma a reconhecer os primeiros sinais e criar conhecimento para se antecipar a desafios, aproveitar oportunidades e influenciar mudanças sociotécnicas para começar a concretizar o futuro desejado, ao invés de reagir às mudanças quando elas ocorrem.


Em razão dessas limitações, segundo Tõnurist e Hanson  (2020, p.7, 13, 16), a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) passou a trabalhar com um modelo de governança de inovação antecipatória, promovendo a capacidade de ação intencional e sistemática das agências governamentais, orientada por propósito, incentivando formuladores de políticas de inovação a conhecer essas formas de incerteza e dialogar com elas ao apostar em um cenário futuro e escolher estratégias de inovação, ao invés da assunção do risco de políticas e estratégias desajustadas por limitá-las a cenários plausíveis e prováveis.


Dentre os papéis de trabalho desse modelo, verificamos a “coleção de metáforas de animais de futuros” - (Box 1.2, Figure 1.1 Futures Menagerie em Tõnurist e Hanson (2020, p. 15) - que incorpora ao Menagerie de Potencialidades Pós-Normais (Elefantes Negros, Cisnes Negros e Águas-vivas Negras) de Sardar e Sweeney (2016), a metáfora de Rinoceronte cinzento (Grey Rhino), conforme Figura 1, abaixo.


Figura 1 - Zoológico de metáforas de animais para representação de eventos futuros com potenciais pós-normais.

Fonte: Ferraz e Lourenço (2025), baseado em Tõnurist e Hanson (2020, p. 15), apud Sardar e Sweeney (2016).
Fonte: Ferraz e Lourenço (2025), baseado em Tõnurist e Hanson (2020, p. 15), apud Sardar e Sweeney (2016).

As metáforas animais são arquétipos cognitivos usados por futuristas para representar eventos futuros discrepantes, ou seja, aqueles que desafiam previsões lineares e envolvem incertezas complexas ("potenciais pós-normais"). Esses arquétipos ajudam a transcender limites cognitivos, materializar abstrações e facilitar diálogos estratégicos.


Não são apenas ferramentas analíticas, mas dispositivos de imaginação crítica, permitindo que organizações e governos naveguem em cenários voláteis com criatividade estratégica. Eles surgem como uma ferramenta de transcendência de fronteiras do pensamento no planejamento estratégico prospectivo, permitindo forçar uma expansão de limites conscientes e inconscientes das visões de futuro e da imaginação do possível.


Para melhor compreensão dessas metáforas de animais para representação de eventos futuros com potenciais pós-normais (doravante Arquétipos), apresentamos as principais características e exemplificamos na Tabela 1, abaixo.


Tabela 1 - Arquétipos de eventos futuros discrepantes com potenciais pós-normais

Fonte: Ferraz e Lourenço (2025), com base em Tõnurist e Hanson (2020); Sardar e Sweeney (2016); Wucker (2016); Taleb (2015).
Fonte: Ferraz e Lourenço (2025), com base em Tõnurist e Hanson (2020); Sardar e Sweeney (2016); Wucker (2016); Taleb (2015).

A utilização de metáforas animais como arquétipos não se limita à representação simbólica, ela demanda uma tradução operacional para o campo estratégico. Para facilitar a aplicabilidade prática desses Arquétipos, comparamos sua previsibilidade, impacto potencial, grau de certeza, causalidade, evidências e velocidade da mudança respectivas, apresentadas na Tabela 2, abaixo.


Tabela 2 - Quadro analítico comparativo de Arquétipos de eventos futuros discrepantes com potenciais pós-normais

Fonte: Ferraz e Lourenço (2025), com base em Tõnurist e Hanson (2020); Sardar e Sweeney (2016); Wucker (2016); Taleb (2015).
Fonte: Ferraz e Lourenço (2025), com base em Tõnurist e Hanson (2020); Sardar e Sweeney (2016); Wucker (2016); Taleb (2015).

E, por fim, aos Arquétipos buscamos correlacionar diferentes estratégias para inovação com base nas facetas e tipos de inovação (OPSI/OCDE, 2021), conforme na Tabela 3, abaixo.


Tabela 3 - Quadro analítico comparativo de Arquétipos e estratégias para políticas de inovação.

 

Fonte: Ferraz e Lourenço (2025), com base Ferraz e Lourenço (2024), apud OPSI/OCDE (2021)
Fonte: Ferraz e Lourenço (2025), com base Ferraz e Lourenço (2024), apud OPSI/OCDE (2021)

Essa proposta de combinação surge como síntese entre diagnóstico e prescrição em que a natureza de cada Arquétipo direcionam estratégias e modos de engajamento com o futuro, de forma que as tabelas comparativas (Tabelas 2 e 3) atuam como matrizes de tradução, convertendo insights teóricos em diretrizes acionáveis.


Seus principais benefícios ao planejamento estratégico e à formulação de políticas antecipatórias para a inovação são: (1) amplificar percepções de “surpresas inevitáveis”; (2) identificar eventos discrepantes potenciais, extrapolar e explorar futuros potenciais; (3) auxiliar na exploração de futuros alternativos, com ênfase na pluralidade e potencialidades pós-normais; (4) situar e contextualizar tendências, questões emergentes e imaginações do(s) futuro(s), compreender as variedades de ignorância e incerteza associadas a cada horizonte; (5) amplificar a forma como a ignorância e a incerteza são analisadas na modelagem de cenários, Visioning e  Backcasting; (5) alavancar insights; (7) o refinamento de cenários prospectados e estratégias de inovação; e, (8) complementar outros métodos e abordagens de pesquisa de futuros.


Ao substituir a ilusão do controle absoluto pela prática de inovação com ação antecipatória, governos e organizações podem navegar melhor em ambientes voláteis, transformando incertezas em vetores de inovação responsável e sustentável. Essa mudança de paradigma não é apenas técnica, mas ética e epistemológica, reconhecendo que o desconhecido não é um inimigo, mas um aliado na construção de futuros de transformação e resiliência coletiva.


Com essa prática, o futuro deixa de ser uma incógnita intimidadora e passa a ser uma construção contínua, na qual cada decisão contribui para a preparação e adaptação aos desafios que ainda virão, mas também às oportunidades que vão gerar valor às organizações.


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Referências


FERRAZ, André; LOURENÇO, Gabrielle. As facetas da inovação no setor público: Você conhece as facetas da inovação no setor público, segundo o OPSI/OCDE? In: Blog da Councilor. Disponível em: < https://www.councilor.com.br/post/as-facetas-da-inova%C3%A7%C3%A3o-no-setor-p%C3%BAblico >. Acesso: 13/03/2025.

FERRAZ, André; LOURENÇO, Gabrielle. O Cone de Futuros: uma ferramenta para dialogar com futuros potenciais. In: Blog da Councilor. Disponível em: < https://www.councilor.com.br/post/o-cone-de-futuros-uma-ferramenta-para-dialogar-com-futuros-potenciais >. Acesso: 13/03/2025.

 TALEB, Nassim Nicholas. A lógica do Cisne Negro: o impacto do altamente improvável. Trad. Marcelo Schild. 9ª ed. Best Business, Rio de Janeiro, 2015. Disponível em: < https://dagobah.com.br/wp-content/uploads/2022/01/A-Logica-do-Cisne-Negro-o-impacto-do-altamente-improvavel-_Nassim-Nicholas-Taleb.pdf >. Acesso: 13/03/2025.

TÕNURIST, P. e A. HANSON. Governança da inovação antecipatória: moldando o futuro por meio da formulação de políticas proativas. In.: Documentos de Trabalho da OCDE sobre Governança Pública , n.º 44, OECD Publishing, Paris, (2020). Disponível em <  https://doi.org/10.1787/cce14d80-en >. Acessado em 30/10/2024.

 
 
 

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