Políticas públicas e institucionais em tempos pós-normais: framework para integração de estratégias pós-normais ao ciclo de políticas
- André Ferraz e Gabrielle Beiró

- 14 de mai.
- 15 min de leitura
1. Introdução
Vivemos em uma era de incertezas aceleradas, onde crises climáticas, avanços tecnológicos e tensões sociais desafiam modelos tradicionais de governança alicerçados em causalidade, instrumentação e avaliação de resultados lineares. O conceito de Tempos Pós-Normais surge para descrever contextos marcados por sistemas complexos, caóticos e contraditórios, exigindo novas lógicas para políticas públicas.
Modelos lineares de formulação de políticas, baseados em previsibilidade e controle, falham em lidar com crises sistêmicas. Estruturas rígidas não absorvem impactos de eventos imprevistos, como pandemias ou colapsos ambientais, gerando respostas inadequadas.
A pesquisa sobre futuros tradicionalmente analisa padrões previsíveis, como megatendências (transformações de longo prazo, como digitalização ou mudanças climáticas), tendências setoriais, sinais fracos (indícios sutis de mudança) e eventos curinga (rupturas improváveis, porém impactantes). Esses elementos ajudam a projetar cenários com base em dados históricos e projeções lineares.
Contudo, um novo paradigma está emergindo: estudiosos passaram a investigar fenômenos não lineares - como descontinuidades abruptas (ex.: pandemias), efeitos em cascata (ex.: crise energética desencadeada por conflitos geopolíticos) e eventos imprevisíveis, integrando-os a uma visão ampliada de consciência futura. Essa abordagem não busca construir consenso sobre um único futuro ideal, mas sim organizar visões divergentes em cenários alternativos, reconhecendo a pluralidade de possibilidades.
A Complexidade (sistemas interconectados), o Caos (mudanças imprevisíveis) e as Contradições (tensões não resolvidas, como crescimento econômico vs. sustentabilidade) deixam de ser obstáculos e passam a ser entendidos como motores de transformação rumo à pós-normalidade. Da mesma forma, a Ignorância (o que desconhecemos) e a Incerteza (o que não podemos prever) tornam-se ferramentas para antecipar riscos e oportunidades.
Nesse contexto, cunhou-se o conceito de "normalidade", como uma construção institucional e cultural que mascara contradições. Sua ruptura revela vulnerabilidades ocultas, como desigualdades estruturais ou dependência tecnológica.
Essa reorientação exige que políticas públicas e instituições abandonem modelos rígidos e lineares. Em vez de controle centralizado, propõe-se design antecipatório de cenários pós-normais, capaz de absorver choques, aproveitar contradições e responder dinamicamente à volatilidade dos tempos pós-normais.
A ignorância ("o que não sabemos") e a incerteza ("o que não podemos prever") não são limitações, mas ferramentas estratégicas para identificar a transição para cenários pós-normais. Em vez de falhas a serem corrigidas, elas revelam pontos críticos onde sistemas lineares, como políticas públicas tradicionais e instituições com baixa capacidade de aprendizado antecipatório, fracassam, expondo riscos e oportunidades em contextos instáveis.
Assim, partimos da premissa de que ignorância e incerteza não são "inimigos" a serem eliminados, mas sinais vitais de que um sistema está entrando em um estado pós-normal. Seu mapeamento ajuda a evitar respostas simplistas e a construir estratégias realistas para um futuro cada vez menos previsível. Ignorância e incerteza podem nos ajudar a mapear riscos e oportunidades futuros em sistemas instáveis.
Diferentes níveis de ignorância e incerteza podem nos ajudar a nos anteciparmos a Tempos Pós-Normais, conforme Tabela 1, abaixo, elaborada com base em Tõnurist & Hanson (2020, p. 438-446, apud Sardar & Sweeney, 2016, 75, p. 1-13).
Tabela 1 -Tempos pós-normais e tipos de ignorância e incerteza.
Tempos Pós-Normais (3Ts) | Características | Tempo | Tipo de Ignorância | Tipo de Incerteza |
Presente estendido | Sistemas com potencial pós-normal. Normalidade fabricada por instituições, pela indústria cultural, e por nossas reações e percepções de mudança, condição perceptual de negação de mudança (atraso pós normal - PNL). Amplamente colonizado e certas tendências estão profundamente enraizadas. Tendências e Megatendências, Sinais fracos e Questões emergentes. | 5-10 anos * | IGNORÂNCIA SIMPLES, que pode ser definida como a ausência de conhecimento. | INCERTEZA DE SUPERFÍCIE. A direção da mudança é conhecida, mas a magnitude e a probabilidade de eventos e consequências não podem ser estimadas. |
Futuros familiares | Mediados por imagens e imaginações dos futuros. Desde projeções baseadas em dados à ficção científica. Tendências incorporadas do Presente Estendido. Futuro usado (singular) e plural (Futuros alternativos, às vezes divergentes). Extrapolados e projetados para criar uma imagem do futuro que é muito familiar. | 10-20 anos * |
IGNORÂNCIA VENCÍVEL. Quando nem sabemos que perguntas fazer. | INCERTEZA RASA. Sabemos pouco sobre a direção geral da mudança, e ainda menos sobre o surgimento de fenômenos pós-normais quando a complexidade, o caos e as contradições se juntam. |
Futuros não pensados | Além do futuro impensável, futuros alternativos infinitos ainda não pensados, muitas vezes existentes desde o presente estendido e futuros familiares, mas aqui trazidos à tona com implicações completas. | Além dos próximos 20 anos | IGNORÂNCIA INVENCÍVEL. Não pode ser superada por nossas ferramentas convencionais, pois está conectada às partes não pensadas de nossa própria visão de mundo. | INCERTEZA PROFUNDA. Nada é conhecido. Além de inconscientes da direção, dimensão e impacto da mudança, também somos incapazes de saber o que está acontecendo com o sistema porque nossa visão de mundo ou epistemologia é totalmente inadequada. |
* Embora as particularidades temporais sejam elásticas em relação ao contexto temático.
Fonte: Ferraz e Lourenço (2025), com base em Tõnurist & Hanson (2020, p. 438-446, apud Sardar & Sweeney, 2016, 75, p. 1-13)
A Tabela 1 nos ajuda a compreender melhor a relação entre ignorância e incerteza: cada tipo de incerteza está vinculado a uma forma específica de desconhecimento. Ambos não são meras "lacunas", mas fenômenos que expõem a fragilidade de sistemas lineares (como modelos econômicos ou políticas públicas tradicionais).
A análise de horizontes temporais pós-normais com base na Tabela 1 acima posiciona os gestores no presente, mas amplia o olhar para além dos limites tradicionais de gestão de riscos, permitindo construir uma visão antecipatória ecossistêmica, capaz de integrar a volatilidade de sistemas complexos e orientar ações coletivas para diagnósticos compartilhados e soluções adaptáveis.
Ao invés de meramente priorizarmos cenários "mais prováveis", essa abordagem identifica potenciais descontinuidades (mudanças abruptas), pontos de inflexão (momentos críticos de transformação) e sinais de ruptura, explorando futuros alternativos – sejam desejáveis, surpreendentes ou disruptivos.
Eles nos ajudam a antecipar riscos e oportunidades de transição para a pós-normalidade, substituindo a rigidez de modelos lineares pela capacidade de navegar ambiguidades e interdependências., e nos servem como portais analíticos antecipatórios: ao mapeá-las, identificamos o grau de pós-normalidade de um sistema e preparamos respostas adequadas a cada contexto.
2. Design e Estratégias para políticas antecipatórias para Tempos Pós-Normais
Em tempos pós-normais, a governança eficaz exige substituir a busca por estabilidade pela capacidade de coevoluir com a incerteza. Isso implica tratar políticas como ecossistemas vivos, onde instituições aprendem, cidadãos participam e o futuro é construído coletivamente – não como um destino, mas como um processo de descoberta contínua. A única certeza é a mudança, e as melhores políticas serão aquelas que dançam com ela, não as que tentam congelá-la no tempo.
Propõe-se, aqui, como premissas importantes para design de políticas públicas e institucionais em tempos de pós-normalidade:
O Futuro como campo de potencialidades: O futuro não é uma linha reta, mas um campo de possibilidades dinâmicas, onde crises e inovações podem redirecionar trajetórias sociais, econômicas e ambientais.
Complexidade, Caos e Contradição como forças catalizadoras de pós-normalidade: A interação entre sistemas complexos (ex.: economia global), caos (ex.: efeitos imprevisíveis de redes sociais) e contradições (ex.: crescimento econômico vs. sustentabilidade) gera instabilidades que desestabilizam modelos tradicionais.
Abandonar a ilusão de controle: Em sistemas não lineares, tentativas de controle total falham (ex.: lockdowns rígidos gerando crises econômicas). Em vez de gerenciar riscos previsíveis, é crucial gerir como as pessoas percebem e respondem a incertezas.
Ignorância e Incerteza como recursos estratégicos: Ignorância (o que não sabemos) e incerteza (o que não podemos prever) são mapas para navegar o desconhecido, não falhas.
Humildade epistêmica e pluralidade de saberes e atuações: Nenhum grupo ou disciplina detém todas as respostas. A humildade epistêmica reconhece que o conhecimento científico, embora essencial, é incompleto e deve dialogar com saberes tradicionais, locais e até intuitivos. A pluralidade de atuações implica integrar vozes marginalizadas (agricultores, artistas, líderes comunitários) ao ciclo de políticas, pois grupos diversos identificam riscos e oportunidades invisíveis a especialistas.
Instituições antifrágeis de aprendizado contínuo: Políticas públicas tradicionais e instituições com baixa capacidade de aprendizado antecipatório fracassam, expondo riscos e oportunidades em contextos instáveis. Instituições antifrágeis aprendem com crises e evoluem ou se transformam fortalecem nelas. Instituições antifrágeis não são "à prova de falhas", mas à prova de obsolescência. Elas reconhecem que a estabilidade é uma ficção em tempos pós-normais e substituem a busca por controle pela capacidade de coevoluir com a incerteza.
Políticas públicas e institucionais como experimentos contínuos: Políticas são protótipos em teste, não soluções finais. A abordagem experimental reconhece que nenhuma política nasce pronta, mas evolui por meio de testes, ajustes e aprendizados contínuos.
Estratégias pós-normais integradas ao ciclo de Políticas: Antecipação deve ser parte de todas as etapas do ciclo político, não uma ação/etapa isolada, ou uma ilha de futuristas. Ela deve abranger todo o ciclo político, desde a definição da agenda até a avaliação de resultados, integrando governança antecipatória e a consideração a potenciais pós-normais em um processo dinâmico e coevolutivo.
2.1 Sistemas Antecipatórios de surpresas inevitáveis
A formulação tradicional de políticas públicas e institucionais, mesmo quando baseada em evidências, opera com lógicas lineares de causa e efeito. Essa abordagem cria uma falsa segurança ao ignorar a complexidade de sistemas dinâmicos, limitando-se a métricas previsíveis para evitar decisões arbitrárias ou influências políticas passageiras.
Em vez de negar incertezas e contradições sistêmicas, mas, como gestores, precisamos integrar o desconhecido ao Ciclo de Políticas Públicas e Institucionais. Isso implica adotar estratégias flexíveis que combinem antecipação de riscos, adaptação contínua e inclusão de múltiplas perspectivas para navegar em cenários pós-normais.
Para tanto, precisamos promover uma mudança da metáfora norteadora de nossos sistemas antecipatórios de “Máquina (Comando e Controle) para “Ecossistema Vivo” (Coevolução, resiliência e adaptação sistêmica), a mentalidade (do pensamento linear ao pensamento pós-normal) e de um novo modelo de aprendizado e produção social com a ignorância e incerteza (em que ignorância e incerteza são recursos de aprendizado antecipatório).
Precisamos aprender a utilizar novas ferramentas de governança antecipatória (tais como Complexidade, Caos e Contradições, e mapeamento de Arquétipos) complementares às metodologias tradicionais de prospecção e construção de cenários futuros.
Precisamos promover um novo modelo de governança orientado a sistemas sociais vivos e complexos, em que tão importante quanto gerenciar riscos é gerenciar reações e percepções de mudança, articulando tipos de ignorância e incerteza com estratégias flexíveis (adaptativas, antecipatórias e pluralistas), integração de estratégias pós-normais ao ciclo de políticas, que nos possibilitem combinar antecipação de riscos, adaptação contínua e inclusão de múltiplas perspectivas para navegar em cenários pós-normais.
Neste sentido, para fins teórico-conceituais, consideramos tipos ideais puros (meramente analíticos), mas que precisarem ser integrados na práxis profissional:
Tabela 2 - Sistemas antecipatórios de surpresas inevitáveis
Sistemas | Linear | Pós-normal |
Tempo | Tempo linear | Tempos pós-normais (Presente Estendido, Futuros Familiares e Futuros Não Pensados) |
Epistemologia | Linearidade - crê em relações causa-efeito previsíveis. | Não linearidade - reconhece a incerteza e a ignorância como parceiras na governança de sistemas complexos. |
Conhecimento | Normalidade fabricada por instituições e narrativas hegemônicas | Reinvenção coletiva |
Relação com a Ignorância | Ignorada ou tratada como "falha de informação". | Reconhecida como recurso para aprendizado e inovação. |
Relação com a Incerteza | Negação ou minimização. | Aceitação e integração. |
Modelo | Estabilidade e ordem através de comando e controle. | Resiliência e adaptação através de flexibilidade. Integra 3Cs (Complexidade, Caos e Contradições) como forças de mudança, Arquétipos de eventos futuros discrepantes com potenciais pós-normais (Menagerie) como ferramenta de governança integrada ao Ciclo de Políticas. |
Estratégia | Gerenciamento de riscos baseados em sistemas lineares. | Gerenciar reações e percepções de mudança, articulando tipos de ignorância e incerteza com estratégias adaptativas, antecipatórias e pluralistas para navegar potenciais pós-normais. |
Ferramentas analíticas | Wildcards | Arquétipos de eventos futuros discrepantes com potenciais pós-normais (Menagerie) de potencialidades pós-normais (Cisne Negro, Rinoceronte cinzento, Água-viva Negra e Elefante Negro) |
Antecipação e aprendizado de futuros | Vigilância ambiental, prospectiva e análise de Sinais fracos, Questões emergentes, Tendências e Megatendências. | Mapeamento do grau de pós-normalidade real e perceptual em torno de uma questão, sistema ou horizonte específico e de condições de explosão pós-normal. |
Metáfora | Máquina (Comando e Controle) | Ecossistema (Coevolução) |
Futuro | Previsível e moldável por intervenção técnica. | Emergente e co-construído por interações sistêmicas. |
Funcionamento | Partes substituíveis, planejamento centralizado. | Interdependências dinâmicas, evolução contínua. |
Falhas | Quebras catastróficas por rigidez. | Crises como oportunidades de reorganização sistêmica. |
Resposta a Perturbações | Resistência: “Voltar ao estado original”. | Resiliência: "Transformar-se para um novo equilíbrio". |
Fonte: Ferraz e Lourenço (2025), com base em Slaughther & Hanes (2020, p. 174-179, 440-443, apud Hiltunen, 2012)
2.2 Mapeamento de Arquétipos de pós-normalidade para definição de estratégias antecipatórias
Além das categorias arquetípicas originais “Menagerie” de Potencialidades Pós-Normais — metáforas animais usadas para representar eventos futuros com potencial pós-normal (Água-viva Negra, Cisne Negro e Elefante Negro) — este artigo incorpora o arquétipo do Rinoceronte Cinzento. Esse "zoológico" metafórico de futuros pós-normais é atualmente utilizado pela OCDE, com base em Tõnurist & Hanson (2020, p. 15, citando Sardar & Sweeney, 2016), e aqui nos referimos a eles coletivamente como “arquétipos de pós-normalidade”.
Os arquétipos de pós-normalidade não são meras metáforas, são ferramentas conceituais que ajudam a identificar e categorizar desafios emergentes em cenários de alta complexidade, incerteza e contradição. Cada arquétipo está associado a um horizonte temporal específico e demanda estratégias distintas para gestão de riscos e superação de crises.
Para a capacidade de questionar, adaptar e colaborar - habilidades essenciais para navegar um mundo em colapso e renascimento contínuo, é essencial compreender os horizontes temporais pós-normais e suas dinâmicas específicas.
Neste sentido, na Tabela 3 abaixo, buscamos organizar essa análise em três eixos temporais do processo de pós-normalidade - Presente Estendido, Futuros Familiares e Futuros Não Pensados -, articulando tipos de ignorância, incerteza e perguntas-chave para orientar estratégias antecipatórias.
Tabela 3 - Tempos pós-normais e perguntas-chave
Tempos pós-normais (3Ts) | Ignorância e incerteza | Grau de incerteza | Probabilidade e impacto | Perguntas-chave |
Presente estendido | Ignorância simples e Incerteza de superfície.
| Desconhecido - Conhecido | Extremamente provável.
Alto impacto.
Mas baixa credibilidade para partes interessadas não especialistas. | • Quais tendências estão inseridas no Presente Estendido?
• O que não sabemos? (pura ignorância)
• Quais são as incertezas superficiais do Presente Estendido?
• Quais são os perigos óbvios que estamos ignorando?
• Existem elementos do Presente Estendido exibindo condição perceptual de negação de potencialidades pós-normais?
• Quais questões/coisas as pessoas têm medo, vergonha e/ou são desconfortáveis de falar? Em outras palavras, quais Elefantes Negros estão nos encarando?
• Quais discussões públicas precisamos para explorar os impactos de potenciais Elefantes Negros? |
Futuros familiares | Ignorância vencível e Incerteza rasa.
| Desconhecido - Desconhecido | Extremamente imprevisível.
Dificilmente detectáveis, eles surgem “do nada”, não são perceptíveis ou articulados, nem mesmo por especialistas.
Sem conhecimento prévio sobre fatores e consequências. | • Que imaginações do futuro e tendências estão nos “puxando” em direção a esse horizonte pós-normal?
• O que esses Futuros Familiares nos revelam sobre o que podemos precisar saber - ignorância vencível?
• O que entendemos como sendo as incertezas superficiais desses Futuros Familiares?
• Existem elementos desses futuros com potencialidades pós-normais? • O que as pessoas acham que nunca aconteceria? Em outras palavras, o que são os Cisnes Negros? • Quais discussões públicas precisamos para explorar os impactos de potenciais Cisnes Negros?
|
Futuros não pensados | Ignorância invencível e incerteza profunda. | Conhecido - Desconhecido | Grande impacto em sistemas complexos quando impulsionadas por feedback positivo | • Quais axiomas e suposições são feitos em projeções e previsões neste horizonte?
• Podemos considerar esses axiomas e suposições válidos diante da Incerteza Profunda e da Ignorância Invencível?
• Quais elementos dos Futuros impensados contêm potencialidades?
• O que pode rapidamente se transformar em algo com impacto extremo? Em outras palavras, há alguma água-viva negra mostrando sinais de pós-normalidade?
• As condições estão maduras para explosão pós-normal?
• O que precisaria acontecer para promover explosão pós-normal? |
Fonte: Ferraz e Lourenço (2025), com base em Tõnurist & Hanson (2020, p. 438-446, apud Sardar & Sweeney, 2016, 75, p. 1-13)
A Tabela 3, acima, nos oferece um mapa para transformar ignorância e incerteza em insumos estratégicos, permitindo que governos e instituições não apenas reajam a crises, mas as prevejam e reinventem sistemas em colapso. Ela nos ressalta a percepção de que as perguntas são mais importantes que as respostas, em se tratando da capacidade de aprendizado antecipatório.
Na Tabela 4, abaixo, buscamos correlacionar cada um deles aos tempos pós-normais e às pertinentes estratégias antecipatórias:
Tabela 4 - Arquétipos para antecipação e estratégias antecipatórias
Arquétipos para antecipação | Tempos pós- normais | Estratégia |
Água-viva Negra (Black Jellyfish) | Futuros não pensados. | • A superação da ignorância invencível requer maneiras radicalmente novas de pensar. • Ela nos obriga a agir com uma falsa sensação de confiança nos paradigmas e modos existentes de saber, ser e fazer. • Só podemos lidar com ela questionando nossos axiomas, criticando nossas suposições e repensando totalmente nossa visão de mundo. |
Cisne Negro (Black Swan) | Futuros familiares. | • Ela não pode ser superada no presente pelo aprendizado, mas cria consciência do que não sabemos e devemos buscar saber no futuro. • A incerteza resultante nos apresenta um problema complexo, mas ainda podemos compreendê-lo até certo ponto. • A Incerteza Rasa pode ser transformada em Incerteza de Superfície no futuro. |
Elefante Negro Na sala (Black Elephant) | Presente estendido. | • Pode ser gerenciada até certo ponto com conhecimento adequado e ferramentas de prospectiva. • A ignorância simples pode ser superada e a incerteza superficial reduzida, por meio de aprendizado, pesquisa, apreciação dos pontos de vista dos outros e perguntas certas. |
Rinoceronte cinzento (Grey Rhino) | Presente estendido (sua existência é produto da inação atual). * | • Pode ser gerenciada até certo ponto com conhecimento adequado e ferramentas de prospectiva. • A ignorância simples pode ser superada e a incerteza superficial reduzida, por meio de aprendizado, pesquisa, apreciação dos pontos de vista dos outros e perguntas certas. |
* Se ignorado, o Rinoceronte Cinzento migra para futuros impensados, gerando crises complexas e imprevisíveis, onde a linearidade do passado não se aplica. Se enfrentado, o Rinoceronte Cinzento pode ser incorporado aos futuros familiares, transformando-se em um desafio gerenciável.
Fonte: Ferraz e Lourenço (2025), com base em Tõnurist & Hanson (2020, p. 438-443, apud Sardar & Sweeney, 2016, 75, p. 1-13)
Dessa forma, enquanto o Cisne Negro exige preparação para o improvável, o Rinoceronte Cinzento demanda coragem para enfrentar o inevitável. Já o Elefante Negro desafia a honestidade institucional, e a Água-viva Negra convida à humildade frente ao desconhecido. Governos que dominarem essa cartografia da complexidade não apenas sobreviverão ao caos, mas o transformarão em alavanca para reinvenção.
2.3 Integração de estratégias pós-normais ao Ciclo de Políticas
A integração de estratégias pós-normais ao ciclo de políticas públicas exige uma abordagem dinâmica e adaptativa, organizada em três fases interdependentes. Cada fase corresponde a um estágio de transição de sistemas complexos em direção à pós-normalidade, combinando ações específicas para mitigar riscos e aproveitar oportunidades em cenários de incerteza.
Na Tabela 5, abaixo, detalhamos as fases, suas características e estratégias correspondentes:
Tabela 5 - Processo de pós-normalidade e estratégias para políticas antecipatórias
Fases | Características | Estratégias |
Normalidade aparente | O sistema é complexo e interconectado, mas funciona normalmente. Mas, qualquer pequena mudança ou perturbação no sistema, que pode surgir ao ignorar certos níveis de ignorância ou negligenciar a incerteza, pode rapidamente produzir consequências que não podem ser controladas e que inauguram a pós normalidade.
Qualquer intervenção, como uma política mal pensada, protesto, conflito, ato de injustiça grosseira, efeito degradante no meio ambiente, pode acelerar o sistema em direção à pós normalidade.
Um Elefante Negro ou um Cisne Negro também podem estar presentes no sistema. | • Simplificar o sistema.
• Reduzir interconexões (redundantes) e dependência sensível entre sistemas abertos pode levar a uma diminuição em sua complexidade.
• Identificar elementos específicos do sistema com potencialidade pós-normal, como contradições óbvias negligenciadas:
• Mapear Elefantes Negros: Quais são os Elefantes Negros na sala que precisam ser urgentemente abordados?
|
Sistemas com potencialidade pós normal | Surge um feedback positivo amplia a instabilidade de um sistema dinâmico e, possivelmente, uma potencialidade pós normal foi ativada e o sistema começa a mostrar sinais de caos. | • Prestar atenção aos atratores que aumentam o feedback positivo, nas áreas negligenciadas de incerteza, bem como aos desafios mais profundos de ambiguidade e ignorância.
• Identificar, e se possível bloquear, as vias de feedback positivo (destrutivo).
• Descomplexificar interconexões sistêmicas e resolver as contradições.
|
Caos | O caos assume o controle e o sistema torna-se pós-normal. | • Continuar a resolver as contradições profundas no sistema e tentar reduzir o feedback positivo tanto quanto possível.
• Questionar nossas suposições, valores e axiomas básicos. |
Fonte: Ferraz e Lourenço (2025), com base em Slaughther & Hanes (2020, p. 446-450, apud Sardar & Sweeney, 2016, 75, p. 1-13)
A integração de estratégias pós-normais ao ciclo de políticas não busca evitar o caos, mas transformá-lo em oportunidade de reinvenção sistêmica.
Ao reconhecer que a estabilidade é temporária e a incerteza é estrutural, governos podem abandonar a ilusão de controle e adotar uma gestão antecipatória, flexível e colaborativa, preparada para navegar futuros cada vez mais imprevisíveis.
2.4 Ações complementares de integração ao Ciclo de Políticas
A integração de estratégias pós-normais ao ciclo de políticas exige ações específicas em cada etapa, combinando antecipação, flexibilidade e aprendizado contínuo.
Na Figura 1, abaixo, detalhamos exemplos práticos de como essas ações podem ser aplicadas, alinhadas aos arquétipos e aos horizontes temporais:
Figura 1 - Ações complementares de integração ao Ciclo de Políticas

Fonte: Ferraz e Lourenço (2025)
Neste sentido, para fins de reforço dos argumentos e demonstração de viabilidade, apresentamos alguns casos recentes de ações complementares de integração ao Ciclo de Formulação de Políticas pelo mundo, na Tabela 6 abaixo:
Tabela 6 - Casos recentes de ações complementares de integração ao Ciclo de Políticas
Arquétipo | Fase do Ciclo | Ação Concreta | Exemplo Global |
Elefante Negro | Agenda | Mapear contradições óbvias | Índia priorizou saneamento básico após reconhecer que 60% das doenças vinham de água contaminada. |
Rinoceronte Cinzento | Formulação | Criar planos contingenciais | Holanda desenvolveu um plano nacional para elevação do mar em 2100, atualizado a cada 5 anos. |
Cisne Negro | Decisão | Reservas orçamentárias para crises imprevisíveis | Noruega mantém um fundo soberano para emergências tecnológicas e climáticas. |
Água-viva Negra | Avaliação | Revisar paradigmas após colapsos | Após o furacão Maria, Porto Rico redesenhou sua matriz energética com micro redes solares. |
3. Considerações finais e principais benefícios de estratégias pós-normais integradas ao ciclo de políticas públicas e institucionais e institucionais
Em um mundo de mudanças cada vez mais aceleradas, a capacidade de navegar na complexidade, reconhecendo a ignorância e incerteza como recursos de conhecimento antecipatório para aprendizado e inovação, ao invés de negá-los ou minimizá-los, e de gerenciar reações e percepções de mudança, articulando tipos de ignorância e incerteza com estratégias adaptativas, antecipatórias e pluralistas complementares aos métodos tradicionais de formulação e de gerenciamento de riscos baseados em sistemas lineares, será o novo padrão para formulação de políticas públicas e institucionais eficazes.
Essa abordagem de integração de estratégias pós-normais ao ciclo de políticas traz 04 (quatro) vantagens estratégicas:
Prevenção de crises - identificar contradições sistêmicas e mecanismos de amplificação de crises antes que gerem cenários de colapso ou ruptura, e agir preventivamente, combinando métodos tradicionais com ferramentas de prospecção;
Resiliência sistêmica adaptativa - criar políticas que evoluem com as mudanças, mesmo em contextos caóticos ou de transição, navegando em incertezas profundas e ambiguidades, antecipando-se a desafios emergentes.
Governança antecipatória e inovação institucional - implementar modelos de governança antecipatória, ágeis e inclusivos; cultivar capacidade de se antecipar a potenciais cenários futuros de pós-normalidade; e, orientar a avaliação de políticas com métricas não-lineares, complementando abordagens convencionais.
Accountability antecipatório - garantir integridade, transparência e participação social ou das partes interessadas no ciclo de políticas e quanto às estratégias antecipatórias a cenários pós-normais, com a comunicação prévia e o controle público sobre ações preventivas.
REFERÊNCIAS
SLAUGHTHER, Richard; HANES, Andy. The Knowledge Base of Futures Studies. Washington, EUA, APF - Association of Professional Futurists, 2020.
TALEB, Nassim Nicholas. A lógica do Cisne Negro: o impacto do altamente improvável. Trad. Marcelo Schild. 9ª ed. Best Business, Rio de Janeiro, 2015. Disponível em: < https://dagobah.com.br/wp-content/uploads/2022/01/A-Logica-do-Cisne-Negro-o-impacto-do-altamente-improvavel-_Nassim-Nicholas-Taleb.pdf >. Acesso: 13/03/2025.
TÕNURIST, P. e A. HANSON. Governança da inovação antecipatória: moldando o futuro por meio da formulação de políticas proativas. In.: Documentos de Trabalho da OCDE sobre Governança Pública , n.º 44, OECD Publishing, Paris, (2020). Disponível em < https://doi.org/10.1787/cce14d80-en >. Acessado em 30/10/2024.









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